Em 1994, já em final de mandato (15/3/1991 – 1/1/1995), o governador Luiz Antônio Fleury Filho (PMDB) corrigiu os salários dos policiais militares em 118% – em parcelas – para “cobrir perdas acumuladas”. O governador eleito, Mário Covas, que iniciaria a dinastia PSDB no Estado, tentou de todas as formas derrubar o reajuste alegando que ele “teria forte influência negativa nos primeiros meses de sua gestão”. Não conseguiu. Como se viu nos anos seguintes, ele governou como quis; não foi o reajuste que dificultou seu governo. Mário Covas não gostava da Polícia Militar.
Os policiais militares comemoraram. Afinal, saíram de uma situação de penúria para dias melhores; muitos chegaram a pensar em abandonar o “bico” para compartilhar a vida com esposa ou marido e filhos. O que ninguém contava é que os próximos 30 anos seriam de amargar. Nunca mais governador algum olhou para eles. A dinastia PSDB dominou São Paulo até janeiro do ano retrasado, com dois suspiros de PFL (Cláudio Lembo – 31/3/2006 – 1/1/2007) e PSB (Márcio França – 6/4/2018 – 1/1/2019). Ambos vices assumindo o mandato sem poder de fogo.
O maior índice obtido nestes 30 anos foi dado pelo governador Rodrigo Garcia (1/4/2022 – 1/1/2023), outro vice sem poder de fogo: 20% linear. Todo mundo recebeu, mas todo mundo ficou longe do “melhor salário do Brasil” prometido pelo auto-denominado “gestor”, João Doria Jr, de péssima lembrança para os policiais militares. A desculpa dele e dos outros mandatários sempre foi o “tamanho” da Polícia Militar. Na matemática deles, qualquer centavo acrescentado no soldo de mais de 150 mil homens e mulheres afeta o caixa do Estado que gera cerca de 40% do PIB nacional!
Neste cenário de terra arrasada de 30 anos, os policiais militares de São Paulo passaram a ocupar os últimos lugares de qualquer tabela de remuneração de policiais de todo o país. De novo a desculpa, agora de outro ângulo: estados menores têm polícia menor em que é possível pagar melhor. É um argumento que despreza a inteligência alheia. Se o Estado responsável por tamanha riqueza não tem dinheiro em caixa (o que é outra mentira monumental!), como é possível aos “menos ricos” terem recursos para pagar bem a força que garante o andamento da vida em alguma normalidade?
Os governadores só aparecem para falar de salários na campanha eleitoral. Depois, são os secretários de Segurança Pública que dão as desculpas. Pelo prédio da rua Líbero Badaró já desfilaram personagens como Michel Temer, Saulo de Castro, Alexandre de Moraes (sim, o atual nome do STF), Mágino Barbosa e o general João Camilo Pires de Campos, o “militar” prometido pelo gestor João Doria Jr. para a cadeira de Secretário da Segurança. Em comum, a “compreensão”, o “sentimento irmão”, o “amor” aos policiais militares que ganham pouco e não podem ter reajuste sob risco de afundar o Estado.
Governadores e seu entourage fogem também de aplicar ferramentas de modernização da polícia porque elas forçosamente levariam a melhores salários. Foi o que fez o Capitão PM Antonio Ferreira Pinto, secretário da Segurança de 2009 a 2012 sob ordens de José Serra, Alberto Goldman e Geraldo Alckmin, todos da família PSDB. Num texto de meia dúzia de linhas, tirou da Polícia Militar o poder de lavrar Termo Circunstanciado de Ocorrência. A ferramenta é fundamental para melhorar a prestação de serviços à sociedade mas requer policiais militares melhores capacitados – e bem pagos!
O Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), hoje nas mãos da Polícia Civil tão somente, é nada mais nada menos que um boletim de ocorrência que pode ser lavrado pelos policiais militares no local dos fatos, no meio da rua, na calçada, no bar. Um policial militar treinado e motivado lavra o BO em 15 minutos, cientifica o Judiciário, dispensa todos os envolvidos e parte para sua principal missão: garantir a paz social. Sem o TCO na rua, o policial e os envolvidos passam horas na delegacia de polícia esperando pelo atendimento do delegado de plantão. Enquanto isso, o crime viceja.
Não há outro motivo – pagar melhor os policiais militares – que leva os governadores até hoje, inclusive o atual, a não implantar a ferramenta. Secretários de Segurança Pública e comandantes-gerais apenas balançam a cabeça, para cima e para baixo, concordando com o chefe. É um contrassenso: a lavratura do TCO pela PM é fonte de economia de recursos para o Estado. Gasta-se menos com combustível de viatura indo e voltando de delegacias, manutenção, papelada e riscos de acidentes de trabalho. Mesmo assim, a planilha da Secretaria da Fazenda fala mais alto porque não contempla esta linha.
Outra ameaça surgiu em dezembro de 2023. Às vésperas do Natal, o presidente da República sancionou a Lei nº 14.751 instituindo a Lei de Organização Básica das polícias e dos corpos de bombeiros militares dos estados, dos territórios e do Distrito Federal. A Lei passou a exigir a apresentação de certificado de conclusão de curso superior dos candidatos à carreira de Soldado das polícias. Foi um deus-nos-acuda, e a saída encontrada pelos governadores foi um “vacatio legis” que dá a eles espaço para cumprir a exigência em seis anos a contar da edição da Lei. É o nosso caso.
A lavratura do TCO pela Polícia Militar, e a exigência de curso superior para a carreira de Soldado – que forçosamente levarão a melhores salários –, são duas provas incontestes da indefinição até o momento, pelo Estado, de empoderar a Polícia Militar, os policiais militares e seus familiares. Enquanto não cumpre esta Lei – e a palavra empenhada na campanha eleitoral – o governador Tarcísio de Freitas pode, pelo menos, cumprir a Lei 12.391/2006, que determina o dia 1º de março como data-base do reajuste salarial do funcionalismo público.
É o mínimo a fazer.